Parei, faz algum tempo que a intensidade dos dias com suas diferentes situações e principalmente a variedade dos tipos humanos com que me encontro passaram a exigir um momento de reflexão, entregar-se ao convívio do pensamento tornou-se inadiável, o mosaico vai se formando na memória resgatando os detalhes, lembro-me da vila com captador solar para aquecer a água do chuveiro de suas casas maltratadas dos moradores tristes e por vezes desesperados por sua situação das diferentes reações, da comunidade convivendo com a “boca de pedra” com a sexualidade aflorando como subterfúgio para as necessidades do momento da indiferença de muitos, em minha jornada retorno a cidade centenária escavada na montanha margeada por um rio cristalino, sobrevoo a histórica cadeia de montanhas rasgando o céu com seus cumes pontiagudos cercados pela neve, as casas ainda esburacadas pelas balas de uma guerra longínqua que nos legou suas marcas para sempre, chego cansado ao interior do Brasil com seu minério riquíssimo com a escravidão ainda presente, as plantações de café a cachaça, tantas lembranças... Até ancorar na praia paradisíaca feliz por ter retornado.
Passo horas percorrendo meus próprios labirintos, perdi o novelo há algum tempo, mas penso que não me perdi, recentemente fui obrigado a limitar velhos hábitos, por favor, não pretendo escrever uma confissão ou um diário a princípio meu objetivo é extrair da memória a vida em suas nuances sua variedade sob o olhar limitado e ainda honesto do errante em que me transformei.
Conheci pessoas íntegras, outras nem tanto, artistas, sonhadores, lutadores, sofredores e até enganadores, neste exato instante escuto uma música ou será a memória atuando, e compondo seu cenário, são ecos não sei bem, serão as tais reminiscências? Ouço o som alto e claro, não enlouqueci pelo menos no meu critério, para vocês nem ouso perguntar, estou sim mergulhado na busca em ordenar os pensamentos em meio a tantas difusas e complexas imagens que a mente projeta nas paredes da lembrança...
Existirmos ao que será que se destina... Estão ouvindo? É esta canção que martela meu cérebro, até respeitei as regras do português, coisa que abomino, que merda de língua a nossa cheia de limitações e armadilhas, mas voltando a viajem lembrei-me de um fim de ano que passei caminhando com uns amigos percorrendo cinquenta quilômetros até a Praia da Onça na Lagoa dos Patos saímos no final da tarde do dia trinta e um chegando ao amanhecer do dia primeiro, bêbados, sujos cansados e felizes, vencemos o desafio, ah! A música não cessa, permanece ecoando, é uma alegoria de imagens e sons, mas acredito que encontrei uma resposta plausível para o meu questionamento interior refletimos em nossa trajetória as escolhas feitas, seguramente estamos a construir nosso mundo cotidianamente como me lembrou uma filósofa próxima e muito querida, somos construtores e erigimos nossa pirâmide existencial com base no aprendizado ao longo da vida para tanto nos basta prestar atenção na sequencia e ordenar as coisas conforme nossa prodigiosa memória nos acena.
Agora sou assaltado pela euforia, a trilha acelerou e se transformou num pulsante Rock, ouço estupefato Crosby Stills Nash & Young tocando “Carry On” que traduzindo significa “siga em frente”, então, se não devemos parar que as sombras do passado permaneçam enquanto sombras que o brilho do futuro ilumine o presente conforme Alejandro González Iñárritu em seu perturbador “Babel” lançou quase que imperceptivelmente, estamos diante “a mais intensa claridade na mais profunda escuridão” ultrapassando a prisão do tempo para além dos limites da memória libertando a existência e o essencial: “o humano intocado que habita em nós”...
Texto: André Soares
Imagem: Rodrigo Vargas Souza
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