sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Uivo - desde de 2001

Imagem: Edvard Munch. O Grito, 1895. Gravura. Munch Museum, Oslo, Noruega.

AQUARELA


Mulheres sólidas passeiam no jardim molhado de chuva,

o mundo parece que nasceu agora,

mulheres grandes, de coxas largas, de ancas largas,

talhadas para se unirem a homens fortes.

A montanha lavada inaugura toaletes novas

pra namorar o sol, garotos jogam bola.

A baía arfa, esperando repórteres...

Homens distraídos atropelam automóveis,

acácias enfiam chalés pensativos pra dentro das ruas,

meninas de seios estourando esperam o namorado na janela,

estão vestidas só com um blusa, cabelos lustrosos

saídos do banho e pensam longamente na forma

do vestido de noiva: que pena não ter decote!

Arrastarão solenemente a cauda do vestido

até a alcova toda azul, que finura!

A noite grande encherá o espaço

e os corpos decotados se multiplicarão em outros.

Poesia: Murilo Mendes
Imagem: Antonio Pareiras

O acendedor de lampiões



Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita: -
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua!

Poema: Jorge de Lima
Imagem: Oswaldo Goeldi

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ainda serão culpados os pobres


Bebo um copo de água
"Límpida"
"Pura"
Diferente do que jorra do cano branco de PVC
Que cospe merda,
Óleo de cozinha
Cabelo e xampu
Detergente
Feto de aborto

A água da lagoa é suja
E não foi os pobres quem a sujou
Foi à burguesia
De idéias podres
No circulo da tarrafa do seu zininho
Apaga-se a beleza que um dia cantou o poeta
Agora vem pouco siri
A lua reflete opaca no óleo das lanchas de cor também branca
Falta peixe no rancho
Diz o pescador
Foram roubados nos barcos lá de fora
Os donos dos barcos e da sujeira
Sujeira que vem junto na tarrafa do seu zeninho
Junto com um pouco de camarão

Poesia: Rodrigo Vargas Souza / Imagem: Franklin Cascaes

Gripe Primaveril

Sim!
Prefiro beber a ler
Os livros da estante estão mudos
Corroídos de traça
As folhas coladas
Manchadas de palavras dissolvidas
Os livros da estante em minha casa
Servem para esconder o mofo da parede
Mofo
Da mesma umidade que me trouxe a gripe
Fazendo-me fechar a janela
Esconder-me do vento
Não ver o verde sensual da lagoa
Resistir à dureza do concreto

Sim!
Os livros das estantes estão retos
Como a geometria cega da especulação imobiliária
Eu em uma tarde primaveril embebedado de gripe
Preso vendo os cantos dos pássaros livres
Observo
O vapor do chá de limão e gengibre
Saindo de uma xícara quieta
Dançando com vento que escorre pela fresta da janela
Eu trago o ruído ao silencio da tarde febril
Tusso, pigarreando o telhado
Catarro misturando-se ao musgo seco
O sol lá de fora é claro
Faz de minha alma translúcida
Vidro
De onda invisível que passa por tudo
Revelasse em luz e sombra na superfície enrijecida do Papel
Os livros da estante hoje não estão sós
Hoje
Leio poesia



Poesia: Rodrigo Vargas Souza/Imagem: Franklin Cascaes