terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Prisioneiro do Tempo



Começou porque me limitavam os anos
doze anos, quinze anos, vinte anos...
Eram limites, eram barreiras suportáveis:
ano que vem, quando completar trinta anos,
ano passado, o ano novo...
Eram limites amplos,
era possível a distância, o horizonte,
por muitos anos! Os espaços
dominavam o tempo,
recebia a aurora, despedia-se ao entardecer
generosamente e amava
docemente os sonhos.
Os anos eram os carcereiros
Rondavam muito distantes.
Havia quem vivia cem anos!
Mais tarde, começaram os meses a limitar-me,
apareceram de repente, tudo era muito diferente,
o tempo dominava os espaços,
era um limite mais opressor,
estavam próximos os carcereiros,
eram os carcereiro:
o mês que vem, dentro de uns meses,
me oprimiram meus próprios limites,
originavam limites!
O que havia ocorrido com aquelas suaves distâncias,
há tempo pela frente, dizia,
como me limitavam os anos.
Agora olhava com receio todas as coisas,
nove meses, três meses, um mês de prazo,
meses, meses voando sobre os sonhos.
E as semanas?
deixaram os meses de controlar-me
e um limite novo me controlava, uma medida nova
estendida pelo mundo inteiro,
cobrindo de ilusões todas suas galerias.
Contava a vida por semanas,
semana após semana.
Os carcereiros eram as autoridades da semana,
me distraíram, me envolviam nas falsas verdades,

semana que vem, dura pouco uma semana,
a semana santa,
meu mundo era a semana, a realidade era a semana,
a semana, só existia a semana.
Que seria um mês sem quatro semanas
e o que seria um ano sem cinquenta e duas semanas...
E contava as semanas
e via a humanidade ansiosa
uma semana forçada, vivendo para o fim de semana, vivos livres
somente no fim de semana.
Depois foram os dias,
comecei a contar os dias,
me assustavam os dias,
era questão de dias,
pesavam imensamente os dia
e desejava que os dias passassem
e eles não passaram...
Agarrava-me aos dias, bons dias,
o dia estava ali, era um carcereiro irremovível,
onipresente,
tudo media os dias,
não era livre! Não podia ser livre,

o dia de meu casamento, o dia de minha licenciatura em filosofia,
apenas encontrava um buraco para minha aventura,
era apenas espaço e eu necessito de espaço, muito espaço,
não podia separar- me dos dias,
um dia e outro dia,
o dia das forças armadas, amanhã será outro dia
outro dia!
Crescia a muralha dos dias,
o circo dos dias, um dia comia a outro dia,
os limites eram insustentáveis,
dias de jejum, dias de alegria
mas tudo medido, era preciso obedecer o dia,
despertar ao despertar do dia,
dormir ao dormir o dia,
a ordem do dia!,
um dia é um dia, nos próximos dias...
Agora, enquanto eu escrevo este poema,
Já não conto os dias mas as horas,
faltam três horas, dura quatro horas
que hora é, a que hora...
Os carcereiros se tornaram minha sombra,
apenas falo, as horas se confundem e me confundem,
limites, limites, a tarde, a manhã, o meio-dia,
uma hora cai sobre outra hora, espreme a outra,
uma hora é como outra hora,
hora adiantada, horas extraordinárias, horas atrás extraordinárias,
a dança das horas, horas perdidas, o recorde da hora,
não somos os seres, somos horas, corda de horas,
um cada duas horas, cada seis horas,
e soam as horas e só podes ouvir as horas,
e tudo tem que mover-se em um horário,
tudo deve estar à sua hora,
tudo tem sua hora,
quanto de minhas horas são minhas horas,
meia hora, um quarto de hora, a hora!
Me arrasa pensar que eu nasci para as horas,
abro as mãos e as tenho cheias com horas.
Ah, carcereiros, horas terríveis que nublam meus olhos:
dentro, os levo dentro, estou cheio de carcereiros, de sombras.
Não quero nem pensar como minha vida será
quando depender dos minutos, quando
sejam eles meus carcereiros e não existam
os espaços, os sonhos, as dúvidas,
quando meu corpo for uma garagem de minutos,
minutos, minutos, não tenho nenhum minuto, só cinco minutos,
tudo acontecerá em minutos, que fará de mim a fúria dos minutos,
quando não puder perder nenhum um minuto,
como eu poderei sonhar ou rebelar-me em um minuto,
que humilhação me aguarda quando em minha vida
só se mova as agulhas dos minutos,
que espaço que pode haver entre minuto e minuto.


Que noite escura havia em vocês, meses, anos,
e que traição seus espaços!
Eram minutos, minutos, só minutos!
Que o colapso do mundo será questão de minutos!
Finalmente, finalmente, ah, finalmente,
quando apenas alente um sopro em meus sentidos,
e só existam os segundos, sejam os segundos
esses que cercam meu corpo, minha vida,
todo meu ser um carcereiro monstruoso, um réptil, uma víbora
destruindo os últimas reflexos,
todo o mundo carcereiro horrível,
e quando todos sejam fantasmas e as idéias
convertam-se em nuvens
e os sentidos em cavernas
e nos últimos segundos
passem os anos, os meses, os dias, e as horas
convertidas em ar
e se fechem meus olhos e os rostos sem vida
riam como nunca por todos os abismos do mundo,
como desejarei seguir prisioneiro do tempo,
como amarei o tempo eu era tempo, doloroso tempo ,
como amarei os limites só eles não estavam
mortos

p;
os anos e os meses,
os dias as horas e os minutos,
todos os limites do mundo.
Como me apartará a eternidade do tempo!

Poema: Jesús Lizano de Berceo
Tradução: André Soares

Imagem: Metropolis - Expressionismo alemão

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