Existirmos ao que será que destina?
A melodia ainda ecoa em minha memória servindo como trilha para a reflexão,
hábito que venho alimento já há algum tempo, refletir, perder-se nos labirintos
do pensamento e insistentemente sobre um tema que sem sombra de dúvidas é rico
e instigante: a existência humana e todas as suas variantes.
Talvez alguém se sinta ofendido por
um sujeito tão precarizado e desprovido do reconhecimento acadêmico, alijado de
qualquer virtude intelectual devido à deformidade social da qual emergiu, pretenda
arvorar-se por uma área onde as inteligências mais luminosas já legaram suas
impressões para a eternidade pavimentando o pensamento da humanidade por gerações
sucessivamente, pois é, minha incomoda situação de sonhador prepotente me impulsiona
a pelo menos sublimar minha ignorância nestas míseras palavras, então
antecipadamente reivindico a compreensão e benevolência dos espíritos evoluídos.
Hoje influenciado pelo clima
bucólico da tarde de outono deste porto nem tão alegre, caindo aquele chuvisqueiro chato de molhar bobo lá na rua, eu em meio as minhas contradições e compromissos
observando a janela do quarto andar, passo a percorrer meus rastros a procura
das lembranças abandonadas estrada a fora; que viajem, penso como tudo poderia
ter seguido outro rumo, quantos erros foram cometidos, tropeços e ascensões
sucessivas, alternando-se de acordo com cada momento e lugar, mas, por favor,
não posso perder o foco comecei falando em uma presunçosa tentativa de explanar
sobre a existência humana e descambo pelo discurso personalista limitando a
conversa a fronteira do eu, sinto-me um personagem de Sartre divagando sobre
sua solidão, ilhado em um plano alto, somos iguais, de cima a vida exibe suas nuances,
na janela me sinto seguro e assisto a vida como se fosse à evolução de uma escola
de samba com suas alas multicoloridas ao compasso de uma potente e ensaiada
bateria, neste interminável desfile podemos observar a nós mesmos e o cenário
que nos rodeia.
Os tempos modernos produziram um
cenário surrealista, nos oferta os mais espetaculares avanços científicos,
técnicos e tecnológicos, e ao mesmo tempo produz a mais abismal distancia entre
os milhões de pobres dos ricos, basta olharem pela janela para constatar o
fato, durante o dia vislumbro o desfile de ambulantes, vendedores, estudantes,
desocupados, catadores manipulando o lixo alheio com suas mãos ávidas pela
redenção compartilhando a rua com os executivos protegidos por sua milícia paga,
com os eleitos da galeria de arte com suas obras e comportamento repletos de
complexidade e opulência, ou ainda com os que buscam uma barbada no leilão ali
na esquina, já durante a noite a disputa pelo espaço é protagonizada pelas prostitutas
e travestis, dos traficantes e cafetões e assaltantes sempre prontos a abordar
alguém desavisado, aqui a selva urbana é cruel, toda esta diversidade
coexistindo num mesmo espaço no desenrolar de apenas um dia, me basta descer a
calçada e mergulho neste mundo, acabei restringindo novamente meu pensamento a
fronteira de minha percepção, que merda, sou recorrente nisso, mas busco
socorro nos mestres, lembro Voltaire
e seu Pangloss, com seu veredito: "tudo
vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”.
Em meio a este quadro por vezes absurdo e
caótico, busco forças para resistir, me refugio nas artes onde transpiro minha
angustia, ali protesto me organizo e tento intervir, procuro amparo nos
pensadores, àqueles que buscaram compreender e traduzir este mistério profundo
que é o existir, sim existir com intensidade, exercitar o humano ao máximo e
não somente sobreviver, esta busca é tão mobilizadora que nos impulsiona a
continuar, pois sempre nos deparamos com novas possibilidades que renovam a
esperança e nos aponta o caminho a percorrer, a jornada traz contida sua
verdade, sua dimensão de realidade, sua paisagem e seus personagens, nos basta
observar e aprender com a nova direção, reconheci um princípio do existir, é o poder
andar, seguir adiante e trocar com quem nos deparamos compartilhando visões e experiências
resgatando o que nos completa como seres humanos, paro para pensar sobre minha
descoberta e novamente procuro Voltaire,
que solicito me socorre e lança para a eternidade: "devemos cultivar nosso jardim."
Texto: André Soares
Fotografia: Rodrigo Vargas Souza
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