domingo, 8 de abril de 2012

Invocação da Psicologia Utópica


Espaço a fronteira final não lembra desta frase inicial do sempre fantástico seriado Jornada nas Estrelas, ali nos defrontamos com a perfeita comunhão do imáginário com o mundo real, pois os roteiros dos episódios traçavam caminhos pelo mundo visionário de seus criadores embasados no cresecente desenvolvimento técnico e tecnológico que dispunhm na época como também se permitiam fazer projeções para os avanços futuros.
Escrevo estas linhas desprovido de qualquer pretensão academicista ou na busca de afirmar conceitos, apenas me sirvo deste manancial para reafirmar o livre pensar liberto do estigma e o limite do convencionalismo oficial, então a Utopia tem como significado mais comum a idéia de civilização ideal, imaginária ou até surreal. Pode referir-se a uma cidade ou a um mundo, sendo possível tanto no futuro, quanto no presente, porém em um paralelo. A palavra foi cunhada a partir dos radicais gregos οὐ, "não" e τόπος, "lugar", portanto, o "não-lugar" ou "lugar que não existe", já o "utopismo" consiste na idéia de idealizar não apenas um lugar, mas uma vida, um futuro, ou qualquer outro tipo de coisa, numa visão dita fantasiosa e normalmente contrária ao mundo real.
Mas quando penetramos o mundo da arte e do fazer artístico ultrapassamos o portal onde o imaginário suplanta o real nos causando um impacto fulminante e poderoso que nos leva a duvidar do real e aceitar esta visão dita utopista como manifestação incontestável da genial capacidade humana em recriar e reinventar sua existencia. Sobre a utopia Eduardo Galeano declara: Eu dou um passo, ela dá dois passos. Eu dou dois passos, ela dá quatro passos. Eu dou quatro passos, ela dá oito passos. Para isso serve a utopia, para eu seguir caminhando.
Burrhus Frederic Skinnerpioneiro em psicologia experimental afirma: A escolha é clara ou não fazemos nada e permitimos que um futuro miserável e provavelmente catastrófico nos alcance, ou usamos nosso conhecimento sobre o comportamento humano para criar um ambiente social no qual poderemos viver vidas produtivas e criativas, e fazemos isso, sem pôr em risco as chances de que aqueles que se seguirão a nós serão capazes de fazer o mesmo.
Aportamos agora na psicologia social que rompe com a oposição entre o indivíduo e a sociedade, enquanto objetos dicotômicos que se auto excluem, procurando analisar as relações entre indivíduos, às relações sociais entre categorias ou grupos sociais e as relações entre o simbólico e os processos do conhecimento através de suas representações a partir do individuo de suas relações com o contexto e de sua inserção nos processos coletivos a partir das crenças, valores e normas coletivas que balizam seu comportamento social.
Agora vejamos o mosaico de imagens e projeções que a arte exercida na condição de livre expressão como fundamental manifestação humana e que provoca sensações inusitadas, mesmo que partindo da palavra escrita: “Este livro é dedicado aos Antigos, ao Senhor das Abominações, Humwawa, cujo rosto é uma massa de entranhas, cuja respiração é o fedor de esterco e perfume da morte, Anjo Negro de tudo que é excretado e azeda, Senhor da Deterioração, Senhor do Futuro, que monta num vento sul sussurrante, a Pazuzu, Senhor das Febres e Pragas, Anjo dos Quatro Ventos com genitais apodrecendo, pelo que ele uiva através de dentes afiados sobre as cidades abatidas, a Kutulu, a Serpente Adormecida que não pode ser chamada, ao Akhkharu, que suga o sangue dos homens desde que eles desejam se tornar homens, ao Lalussu, que assombra os lugares dos homens, a Gelal e Lilit, que invadem os leitos dos homens e cujos filhos nascem em lugares secretos, a Addu, criador de tempestades que podem povoar o céu noturno com claridade, a Malah, Senhor da Coragem e da Bravura, a Zahgurim, cujo número é 23, e que mata de maneira anormal, a Zahrim, um guerreiro entre guerreiros, a Itzamna, Espírito das Primeiras Brumas e dos Aguaceiros, a Ix Chel, a Teia- de- Aranha-que Captura-o-Orvalho-Matutino, a Zuhuy Kak, Fogo Virgem, a Ah Dziz, o Mestre do Frio, a Kak U Pacat, que trabalha o fogo, a Ix Tab, Deusa das Cordas e dos Laços, padroeira dos que se enforcam, a Schmuun, o Silencioso, irmão gêmeo de Ix Tab, a Xolotl, o Informe, o Senhor do Renascimento, a Aguchi, Mestre das Ejaculações, a Osiris e Amen em forma fálica, a Hex Chun Chan, o Perigoso, a Ah Pook, o Destruidor, ao Grande Velho e à Besta Estrela, a Pan, Deus do Pânico, aos deuses sem nome da dispersão e do vazio, a Hassan i Sabbah, Mestre dos Assassinos. A todos os escribas, artistas e praticantes da magia, através dos quais esses espíritos têm se manifestado, pois nada é verdadeiro. tudo é permitido”, palavras carregadas de simbolismos e significados de William Burroughs velho junkie beatnik. Tenho ouvido referencia a sublimação da arte e dos artistas como o exercício da psicologia utópica, convicto desta dicotômica visão da “inteligência” e de que ela não contém o valor essencial do viver e fazer arte que nutre a existência e que mantém a vida e recria o cotidiano nos levando encarar cada dia como o desafio necessário ao ato de criar.
Doce, deveria ser doce, a existência humana poderia ser cálida aquecida e prazerosa, mas não é, e muitas vezes nos tritura as entranhas e nos enche de dissabores, provocando perguntar insistentemente: Por que as pessoas são infelizes? O que determina e realmente podemos chamar felicidade?
Não pretendo fazer afirmações, mas sim provocar questionamentos do interno ao coletivo subsidiando as inquietações que permeiam o espírito criativo, forçando a fricção no exercício da vida que deixa suas marcas tanto físicas quanto psicológicas ao longo da jornada. Somos cronistas atores diretores e platéia desta superprodução montada a partir de esquetes caracterizados pelo improviso que em conjunto formam o espetáculo mais ambicioso produzido pelo meio natural: “o ser humano” dentro de sua idiossincrasia é ao mesmo tempo um fabuloso e abominável ser que produz o sublime e o horror, o elevado e o profano, o simples e o complexo, mas saibam vocês que busco e construo a mim mesmo nesta mutante experiência afirmando sem temor que somos o resultado da mais monumental inspiração e eloquência: “Somos Artistas, em nós mora a transcendência”.


Texto: André Soares

Imagem: Café Muller - Pina Bausch

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