segunda-feira, 30 de abril de 2012

Definitivamente sou um Cínico - André Soares


No dicionário a palavra cínico significa: desavergonhado, debochado, sem escrúpulos, sem pudor, descarado, carrega um sentido pejorativo, depreciador, e muitas vezes ouvimos, ou nós mesmos proferimos o comentário desabonador: “aquele sujeito não passa de um cínico”, pois hoje casualmente assistia um professor falando sobre a história antiga, relatando o surgimento do Movimento Cínico, quase fui as lágrimas, finalmente me encontrei, me ergui exultante e senti a necessidade de afirmar em alto e bom som: “definitivamente sou um cínico”, mas por favor na me interpretem mal, eu explico.
            Primeiramente percebam que o sentido da palavra e de sua conceituação foi alterado, que isso se deve em minha opinião a permanente manipulação dos processos históricos, sempre segundo algum interesse dos grupos dominantes, senão vejamos: Diógenes de Sínope foi discípulo de Antístenes que por sua vez foi discípulo de Sócrates.
            Diógenes tornou-se a figura marcante do movimento cínico, com o passar do tempo acabou rompendo radicalmente com o mundo que o cercava, considerava que o estado de natureza, que se pode reconhecer no comportamento dos animais ou das crianças, é superior às convenções da civilização. Desta concepção filosófica origina-se o termo cinismo que deriva da palavra grega kynikos, que é a forma adjetiva de kynon, que significa cão, animal que sempre lhe acompanhava e que ele considerava como um modelo de vida: simples, honesto, sem constrangimento, nem ansiedade, acabo de reconhecer, talvez o primeiro cinófilo, respeitando à origem do vocábulo como também um dos precursores do pensamento libertário na história.

             Na Grécia antiga o cínico não se ocupava absolutamente com as conveniências sociais e a opinião, desprezando o dinheiro, não procurando nenhuma posição estável na vida, possuindo apenas o estritamente necessário para sua sobrevivência. Sem casa, nem cidade, nem pátria, miserável, errante, rejeitando as condições indispensáveis da vida em sociedade, a propriedade, o governo e a política, exprimia-se com provocadora liberdade de expressão, sem temer as autoridades, sua visão filosofia é uma escolha de vida, a escolha da liberdade, da total independência das necessidades inúteis, recusa o luxo e a vaidade para conquistar a liberdade, e independência, é uma força interior, onde a ausência de cuidados produz a tranquilidade de uma alma capaz de se adaptar a todas as circunstâncias, considerando que os artifícios e as comodidades da civilização enfraquecem o corpo e o espírito.
            Por breves instantes delirei repleto de felicidade, finalmente após transitar por tantos caminhos dolorosamente tortuosos, havia encontrado repouso na filosofia cínica, mas durou pouco, lembrei-me infelizmente que tenho tentado sobreviver como artista, num país que dedica a seus artistas em sua grande maioria a situação que era almejada pela escola filosófica e que hoje é uma trágica realidade, viver de arte é estar condenado à miséria e abstração sem nenhuma independência, nos condenando a uma vida errante que provoca na maioria das vezes mais dissabores que o deleite prazeroso da filosofia, fiquei revoltado, isto não lhes parece o mais puro cinismo? Tal qual a palavra significa na atualidade?
Texto: André Soares 
Fotografia: Robert  Doisneau 

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