A energia que mobiliza os indivíduos a lançarem-se a percorrer tantos caminhos quanto lhes seja possível, inexplicavelmente renova-se a cada amanhecer, impulsionam o peregrino mais e mais, claro está que como todos os fatos da vida apresentam prós e contras, sempre renunciamos algum aspecto da existência e somos brindados com uma nova experiência, a gene humana é marcada por estes antagonismos permanentes, avanços e retrocessos, o importante é que não abandonamos nossa origem primitiva de nômades coletores, sempre adequados as circunstancias da época, então andamos.
Muitas são as paisagens, a longa distancia as pessoas, culturas, comportamentos sociais, com que nos deparamos, fenômeno que só se pode constatar em um transitar constante, daí a reflexão se faz necessária, neste exato momento encontro-me em meio à jornada, já com milhares de milhas percorridas permaneço como no princípio, estupefato pela pluralidade humana que se manifesta a cada instante.
Podemos aportar em uma velha civilização, forjada na intempérie e encontrar a escadaria onde Bonaparte caminhou triunfante e vitorioso rumo ao castelo real, ou na a periferia da cidade antiga com sua feira dominical revelando-nos a anciã sentada inquieta e esperançosa de vender sua relíquia em gesso, tão frágil quanto sua constituição física, dez “zlot’s” lhe vão bem, para nós basta a “piwo” escura e forte, gelada como no Brasil distante, percorremos Pub´s lotados por jovens revelando sua ansiedade latente, protagonistas globalizados que carregam o peso da memória toda esburacada por balaços de soldados alemães ou russos, ou da resistência sindicalista local que lutou até o último homem por manter a terra livre, o gueto sangrento que marcou a história, os neonazistas contemporâneos que insistem em manifestar sua intolerância truculenta, o avanço sistemático do estado no controle sobre as moradias da população pobre, o bêbado indignado discursando na madrugada fria, mesmo assim a cidade insiste e mostra sua face bela, seus monumentais e organizados parques, seus habitantes, calados e lépidos nas manhãs geladas, a pouco estive ali...
De passagem cruzo a cidade luz um pouco ofuscada pelo ranço de seus servidores mal servidos e me dirijo à costa catalã marcada por seu orgulho local e por seu passado intenso, antes, porém percorro a paisagem lunar pontiaguda, pronta a nos acolher com sua rochosa figura. Enfim chego e megalópole.
A cidade pulsa no dia das bruxas, seres fantasiados convivem com a multidão de estrangeiros passeando pela “Rambla” numa multiplicidade de línguas e semblantes, tanta diversidade, encontramos o paquistanês que contribuí com seu “kebab” suculento, alimentando os passantes, pernil de porcos expostos em vitrines das lojas, como troféus, o “bocadillo” tradicional servido com alegria e azeitona, mergulhamos nas lembranças, retomamos a subida a Montserrat e seus quatro mil metros de altitude caminho percorrido no passado pelos libertários perseguidos e acossados por um regime fascista e extremamente violento, lugar tão belo e silencioso que encerra em sues profundos abismos histórias da dor, da coragem da capacidade fabulosa em recriar e reconstruir mesmo que inexoravelmente feridos por aqueles que motivados por sua usura arrivista, por seu nacionalismo incompreensível e doentio deixaram suas marcas viscosas na rocha secular.
Retornamos ao país continente que se agiganta em sua maior cidade marcada pela turbulência, pelo partido dominador, hegemônico nas comunidades periféricas ditando a ordem regrando a vida, ali “desfrutamos” socos, empurrões e pontapés no trem lotado do fim de semana, quando a urbanidade explode e confunde o viajante ainda saudoso do leste gelado, a realidade é brutal, fortalece a dúvida, quantos “brasis” cabem neste Brasil devastado por forças incompatíveis, mesmo neste cenário caótico felizmente encontramos a solidariedade e confraternizamos com outros peregrinos, lembram? Nômades coletores que milhões de anos depois, não perderam seus traços familiares, exausto depois de enfrentar uma longa e cansativa jornada o viajante retorna a origem, mas não por muito tempo...
A estrada novamente se apresenta como a via imprescindível e literalmente subimos ao cerrado que sem cerimônia expõem suas entranhas repletas de tesouros e desventuras, heroísmos, traições resistência, enfim história viva, seus fantasmas reivindicam lembrar os diamantes o ouro o nióbio as selvas cafeeiras, o quilombo sem nunca esquecer a cachaça suave e poderosa, “trem bão sô”.
Continuando, dos céus visualizamos as manchas da civilização e forçosamente acabamos por optar nos deixar conduzir pelas forças místicas da ilha encantada exuberante, mágica e ao mesmo tempo natural.
Aqui encontro meus iguais e entre tantas confluências, com eles projeto os dias que virão traço a nova rota a percorrer, Jack solidário se aproxima em meu socorro e arremete aos ares; ”on the road”...
Texto: André Soares
Imagem: Rodrigo e André
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