Nada mais oportuno e necessário na inauguração de uma escola racionalista do que determinar e precisar este gênero de ensino, dado o meio em que vivemos.
Em uma sociedade racional, perfeita e justa, poderia falar-se de ensino, dispensando-se a classificação; porém, na sociedade em que vivemos, o ensino é naturalmente tradicional, e por isso mesmo, essencialmente estacionário e
antiprogressivo.
Quantos amam o progresso e anseiam pelas reparações justiceiras que o futuro lhes promete, necessitam preparar a infância para uma educação nova, que rompa a cadeia dos erros tradicionais, e fortifique a inteligência com verdades, para que as gerações vindouras dêem no decurso da vida o fruto que legitimamente se pode esperar da natureza humana.
Nada mais expressivo e adequado como estas palavras: ensino racionalista. Tem-se falado do ensino laico; esta classificação só dá idéia de que não se trata de uma educação feita por religiosos, analisando bem essa classificação, é desnecessária, porque em Espanha a generalidade do magistério, outrora e na atualidade, era exercida por laicos que ensinavam o catecismo.
O laicismo teve razão de existir em países como a França, onde estava a cargo do clero na generalidade, e ao emancipar-se o ensino da tutela eclesiástica, foi necessário qualificá-lo de laico.
Tem-se falado também do ensino integral, em que se pretende ensinar tudo; raciocinando, porém vemos que é impossível, por dificuldade de meio, cumprir o programa em sua integridade. Este ensino está reservado a ser o ensino do futuro pelos grandes meios que a sociedade cientificamente regenerada facilitará, mas, além de integral, também será racionalista e é nesta concepção que todos os que trabalham pela educação racionalista tomam posse do futuro a partir do momento atual.
Há também quem fale do ensino neutro. Contra este é preciso protestar energicamente em nome do respeito que a infância nos merece. Neutralidade entre o erro tradicional e a verdade científica supõe um equilíbrio impossível entre as crianças que se vão desvanecendo a cada instante e os conhecimentos que incessantemente avançam; à sua impossibilidade há a juntar a injustiça de inculcar nas crianças o mesmo respeito pelo erro e pelo mau, como pelo verdadeiro e pelo bom. Que professor aceitaria tal vileza? Pela dignidade do professorado, como pelo amor à infância, é preciso recusar o ensino neutro.
Enganam-se os pais ou quem deseja que os professores sejam neutros com seus filhos; não há neutralidade possível entre o erro e a verdade, e o mestre que a aceitasse seria indigno da profissão, porque não ensinando o erro - o que em si não é imoral se se crê com boa fé - ensinaria a mentira. Esse homem tornar-se-ia um embusteiro.
Não, não é possível conservar tal neutralidade em uma escola honrada e leal. Dessa neutralidade só seriam capazes os professores que não têm noção de seu mister, ou os que antes de mais nada atentam na cobrança de mensalidade.
Conclui-se, pois, que a escola laica é insuficiente, que o ensino neutro é indigno, e o ensino integral é por enquanto, impossível; resta a educação racional como a única útil e prática.
Ensino racionalista quer dizer o ensino que tem como meio a razão, e como guia a ciência; como esta idéia não disse a sua última palavra sobre qualquer assunto, resulta que o ensino racionalista não tem programa fixo. Pelo contrário.
Ao ensinar todos os dias os fenômenos físicos do universo e sociais da humanidade fá-lo com especial reserva de que só tem mérito o que está comprovado, o que os sentidos admitem e a experiência sanciona.
O ensino racionalista tem por fim ensinar todas as verdades experimentais, por contrárias que sejam as idéias admitidas anteriormente; terá somente em conta a idade da criança para graduar as fases do ensino, para que seu tenro cérebro receba facilmente cada nova impressão que tenha de conservar. Nunca será enganada, nem se dirá nada que ela não possa compreender.
Uma característica peculiar distingue a escola racionalista: a co-educação dos sexos. Sobre este texto hei-de fixar a vossa atenção. Todos os pensadores livres reconhecem que a mãe é a primeira e a principal educadora da criança. Observa-se ao aluno que a mulher considerada como inferior ao homem, privada de instrução e reduzida à sistemática ignorância, não ensina o seu filho mais do que os erros tradicionais que constituem o seu repertório intelectual. Assim vemos como o clericalismo se ufana com o domínio da consciência da mulher. Na escola racionalista, junta a criança, que a respeita e a trata com delicadeza infantil e maternal, a menina, a futura mãe, a primeira educadora dos seus filhos, livra-se do erro, aprende a verdade, fica em condições de desempenhar funções sociais importantíssimas, não inferiores ás dos homens, porque este se muito vale por si só, a mulher representa tantos homens quantos filhos tenha, e ainda a liberdade do seu esposo a quem obrigará a não ser no seio da família diferente do que é entre amigos.
Tais são as manifestações que, como tributo oferecido ao ensino racionalista, me havia proposto expor neste artigo.
Soledad Vilafranca
(s/d)
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