segunda-feira, 16 de maio de 2011

PODERIA SER CÁLIDO

Não faz tanto tempo assim que encontrávamos nos muros da cidade escrita em tinta lilás numa letra ricamente desenhada a frase: “Poderia ser Cálido” profética manifestação de algum inspirado anônimo que se perpetua no tempo, recorrente começo a divagar, minha imaginação retorna ao passado e encontra as reminiscências de Platão onde o diálogo sobre a virtude pulsa em meu cérebro.
Vincular estes pensamentos com os episódios recentes parece um exercício próximo da insanidade, mas o desafio é estimulante, sexta feira após uma dolorosa exposição da opulência midiática ao explorar o casamento de um príncipe com uma representante da elite plebéia, a lição que tiramos do acontecimento é de que a monarquia ao menos aprendeu que espetáculo pode ser muito lucrativo, avanço no dia, ao final da tarde em um ônibus lotado me deparei com um motorista no limite do estresse brigando com seus passageiros, irascível, próximo, bem próximo da violência, cena absurda e desagradável, sobrevivo até o domingo Primeiro de Maio, data histórica para os trabalhadores, e para os que não deixam a chama apagar, é dia de relembrar os Mártires de Chicago, seres míticos que sacrificaram suas próprias vidas em prol de seus sonhos e da liberdade.
Também é dia de clássico GreNal, onde presenciei a estupidez de jovens torcedores que em nome de uma organização duvidosa desfilavam pelo centro da cidade sua monumental pobreza de espírito, antagonizando aos passantes, prontos a espancar a qualquer um que se manifestasse contrário, e o que é pior com membros incorporando a memória do nazismo, com camisetas que os identificava contribuindo com seu comportamento agressivo e pouco inteligente.
Mas a madrugada nos reservava o ápice deste desfile monumental dedicado à ignorância humana, o assassinato de um outrora aliado dos Estados Unidos, que financiara e mantivera negócios e projetos de líderes americanos no passado, e tornado o criminoso mais procurado da história recente, numa ação digna de Hollywood militares alvejaram com um tiro na cabeça e outro no peito Osama Bin Laden, o assassinato provocou uma euforia mundial, pessoas saíram às ruas manifestando o seu nacionalismo xenófobo, trazendo como resultado imediato ascensão política e econômica para o governo combalido, dirigido por um afro-americano questionado até em sua nacionalidade
Não é pouco, para o ser sensível bombardeado por estas informações ininterruptamente, a vida se torna aborrecida, ressurge a frase poética das paredes da madrugada, ah! verdadeiramente deveria ser cálido, mas infelizmente, não o é, com desprazer narro esta mecânica que compõe o cotidiano do século XXI, no sul da América do Sul.
Mas otimista que sou me refugio na arte, na poesia e me vem à lembrança a máxima do apaixonado e visionário Lupicínio Rodrigues que ousou transformar sua dor em canção, expondo sua antológica percepção: “Esses moços pobres moços, ah! se soubessem o que eu sei... saibam que deixam o céu por ser escuro e vão ao inferno a procura de luz... por meus olhos, por meus sonhos, por meu sangue, tudo enfim, é que eu peço a esses moços que acreditem em mim.”


Texto: André Soares

Fotografia: Internet - Jardim Gramacho

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